domingo, 16 de outubro de 2011

Eutanásia de animais: aspectos legais

Por Vânia Rall




Eutanásia é o procedimento pelo qual se procura abreviar, de forma indolor, a vida de
um ser que tenha uma doença reconhecidamente incurável e que, ao mesmo tempo, lhe
provoque dores insuportáveis. Por ser feita para alívio do sofrimento e até mesmo em
benefício do doente, tal prática também é conhecida, entre outras expressões, por “boa
morte”, “morte nobre”, “morte doce” ou “morte piedosa”.
No Brasil, a eutanásia humana é ilegal; todavia tendo em vista a motivação do agente, é
reputada como uma forma menos grave de homicídio. Por ser considerada um crime
executado “por motivo de relevante valor moral”, a prática da chamada morte piedosa
se enquadra na situação de homicídio privilegiado (§ 1º, do artigo 121, do Código Penal
brasileiro), sendo a pena base – reclusão de seis a vinte anos – reduzida de um sexto a
um terço, segundo a legislação nacional atual.
Porém, no caso da eutanásia de animais, essas prescrições legais não são aplicadas, uma
vez que para legislação penal brasileira o animal não é considerado sujeito passivo de
um delito. Além disso, é hegemônica a mentalidade que vê os animais como seres não
merecedores de consideração, cuja função é a de servir ao ser humano.
Nossa legislação civil ainda considera os animais como bens móveis suscetíveis de
movimento próprio, conhecidos, na doutrina, por semoventes. E, por ser tido como um
bem passível de apropriação, é natural que a morte de um animal não cause a mesma
repercussão do que a de um ser humano.
Assim, em nosso país, a eutanásia propriamente dita de um animal não só é permitida,
como é até incentivada em muitos casos. Constantemente ouvimos dizer que algum
animal “precisou ser eutanasiado” para evitar o sofrimento insuportável causado por
uma doença incurável. No entanto, se o animal tiver uma morte provocada sem
apresentar esse quadro, não teremos uma eutanásia ou uma boa morte, e sim outra
situação, que merece outra denominação.
É por isso que as mortes ocorridas na linha de abate de um matadouro não são
eutanásias. Também não é eutanásia a maioria das mortes de cães e gatos nos chamados
Centros de Controle de Zoonoses como tampouco a de animais que são usados em
pesquisa ou em aulas práticas dos cursos de Biomédicas.
Essa constatação simples e lógica nos mostra como a linguagem humana é plena de
artifícios. Quando se quer diminuir o impacto de uma notícia ruim ou quando não se
quer assumir a responsabilidade por uma atitude, é bem comum o uso de uma palavra
no lugar de outra que realmente descreve o acontecido. É por isso que constantemente
ouvimos falar em “eutanásia” dos cães e gatos apreendidos pelos Centros de Controle
de Zoonoses, quando, na verdade, temos um extermínio desses animais. O mesmo se
diga dos animais usados em experiências, que, geralmente, depois de serem utilizados,
são exterminados, e não eutanasiados. Além disso, é importante divulgar que muitas
vezes essas mortes provocadas não são nem um pouco indolores, o que descaracterizaria
de vez a prática da verdadeira eutanásia.
Se vivêssemos em um mundo sensato, justo e coerente, essas mortes citadas seriam
reprimidas e punidas, uma vez o artigo 32 da Lei Federal nº 9.605, de 12/2/1998,
considera crime “praticar atos de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Para tal conduta, essa norma prevê
pena de detenção de três meses a um ano, e multa, com acréscimo de um sexto a um
terço no caso da morte do animal.
Já a Constituição Federal, datada de 1988, em seu artigo 225, inciso VII, proíbe a
crueldade, ao estipular que o poder público tem o dever de “proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.
E imagino que não exista dúvida de que, nos dois exemplos citados acima (Centros de
Controle de Zoonoses e experimentos com animais), temos prática de atos de abuso, de
maus tratos, de ataque à integridade física e de mutilação. Resumindo, poderíamos dizer
que, nos dois casos, temos “práticas que submetem os animais à crueldade”, o que é
vedado expressamente pela Constituição Federal brasileira, norma soberana de nosso
ordenamento jurídico.